domingo, 21 de março de 2010

Abrindo o Livro de Eli


Sexta à noite, eu fui ao cinema com meu pai e minha irmã. Estávamos divididos entre assistir A Ilha do Medo, com Leonardo DiCaprio, e O Livro de Eli, com Denzel Washington. Como meu pai e Anna já haviam assistido A Ilha do Medo, optamos para ver o outro, apesar de que eu estava e ainda estou morrendo de vontade de ver como DiCaprio aparentemente enlouquece.

O Livro de Eli tem uma história simples e limpa, porém, interessante, que vai sendo revelada aos poucos ao longo do filme. Seu enredo apocalíptico e aventureiro me cativou, além da fotografia maravilhosa e da trilha sonora bem feita que faz o peito vibrar nos momentos precisos. Surpreendi-me com o papel do Denzel Washington, pois nunca o vi em filme sem envolver policiais (Pelo menos não sentimos falta das armas!). Também, como amante das obras de M. Night Shyamalan, me senti extremamente satisfeita com a surpresa muito bem bolada que aparece ao final do filme.

Mas vamos falar um pouquinho mais sobre a história. Afinal, a mídia é um meio de comunicação poderoso e os filmes são um reflexo da cosmovisão de quem os criou, portanto, é necessário entendermos bem a ideia que está sendo passada.

O filme reflete o título; trata-se da peregrinação de Eli (Denzel Washington) para o oeste dos Estados Unidos com a missão de lá encontrar um lugar seguro para a última cópia da Bíblia existente (talvez do mundo... não foi detalhado). A história ocorre num período e ambiente pós-apocalíptico, depois que uma guerra mundial (e aparentemente provocada por motivos religiosos) destruiu o meio ambiente de tal forma que abriu um buraco na camada de ozônio (fato deduzido, pois não é bem explicado no filme) e, assim, permitiu que os raios solares queimassem toda vida na superfície da Terra, destruíssem recursos naturais, evaporassem reservas de água e matassem grande parte da população. Trinta anos depois desse desastre, encontramos várias comunidades precárias ressurgindo e muitos indivíduos se aproveitando dos outros pela astúcia, força e ganância. É um verdadeiro caos. Eli é um homem numa viagem solitária e está determinado a chegar ao seu destino, custe o que custar, pois Deus lhe havia dado a missão de proteger a Bíblia e lhe prometido que, até ele chegar ao final, ele seria protegido e ninguém nem nada o impediria. O filme enfatiza bastante o fato de que Eli lê a Bíblia todos os dias e que conhece bem as palavras e entende a importância do livro. O problema surge quando Carnegie (Gary Oldman), homem de poder num pequeno vilarejo, descobre que Eli carrega a última cópia da Bíblia e decide tomá-la para si mesmo. Carnegie está convencido de que, se possuir o livro e utilizar as suas palavras, poderá controlar e manipular a comunidade, solidificando sua ditadura. Sua explicação é de que isso já havia funcionado no passado e que, com certeza, o povo lhe obedeceria novamente se ele usasse a Bíblia como fonte de autoridade. Eli, obviamente, não entrega a Bíblia e começa, então, a perseguição do Carnegie.

Bom, não detalharei mais. Recomendo que assistam ao filme, tanto pela história como pela arte, e especialmente pelo final J. No entanto, gostaria de apontar algumas coisas que notei durante o filme. Como boa calvinista, colocarei essas observações em pontos, começando pelas palavras do próprio filme:

  • “Não é só um livro! É uma arma. Uma arma direcionada aos corações e às mentes dos fracos e desesperados. O livro nos dará controle sobre as pessoas. Se queremos governar mais de um vilarejo, precisamos do livro. As pessoas virão de todas as partes e farão exatamente o que eu lhes mandar, se as palavras vierem do livro. Aconteceu antes e acontecerá de novo. Tudo que precisamos é aquele livro.” (Carnegie, ao ser confrontado por um dos seus)

A história inteira trata-se sobre a Bíblia, sobre a influência da mesma na nossa sociedade, sobre a sua importância, e sobre o mau-uso em contraste ao uso apropriado das suas palavras. Vemos que o filme não acusa a Bíblia como sendo responsável pelo seu mau-uso, pois Eli é retratado como bom exemplo de um indivíduo politicamente correto que segue as “verdades” bíblicas. Ele é o herói, pois ele põe em prática o que lê. Já o Carnegie representa os mau-intencionados, os sagazes manipuladores, que são capazes de torcer as verdades bíblicas com fins egoístas e gananciosos. Infelizmente, esse é um retrato verdadeiro de muitas igrejas na nossa sociedade hoje em dia. Encontramos líderes que professam ser evangélicos e fiéis às Escrituras, mas que simplesmente usam e distorcem a Palavra de Deus como instrumento para atingir seus próprios fins. Prometem curas e bens materiais, pregam prosperidade e um deus fraco, lojista da 25 de março, que lhe dará tudo que você desejar se você tiver o que dar em troca. Pregam o que a massa desesperada almeja ouvir e garante seu controle, mas estão, no final do dia, condenando a sua própria alma, assim como a alma dos milhares que os seguem. Mais uma vez, infelizmente, é o que vemos hoje em dia e atrai o olhar do mundo e os faz rir.

  • “Não, eu ando pela fé, não por vista. Significa que você sabe alguma coisa, mesmo que não saiba coisa alguma. Não precisa fazer sentido. É a fé, é a fé.” (Eli, explicando sua missão para Solara, uma jovem que ele encontra no seu caminho)
Pois é. Ao caminharmos pelo mundo, caminhamos pela fé, pois temos certeza das coisas que não vemos. É só ler Hebreus 11 para entender. No entanto, uma coisa com a qual discordo é que a fé precisa ser uma convicção sem sentido, como Eli nos explica. Muito pelo contrário, apesar da nossa fé e a revelação de Deus em Cristo não fazer sentido e ser até loucura para os que não são de Deus (1 Cor 1.18), Deus é o mesmo Deus que criou a lógica e, portanto, os que creem são muito capazes de entender o mistério da cruz e não possuem uma fé ignorante. Existem, claro, coisas que só descobriremos no além, pois não nos foi revelado tudo agora. Mas até lá, podemos falar com convicção que nossa fé faz sentido, e não é uma fé sem provas, pois encontramos tudo que precisamos para crer na Palavra de Deus e pelo testemunho interno do Espírito Santo.

  • "Durante todos esses anos nos quais carreguei e li a Bíblia todos os dias, me concentrei tanto em mantê-la salva que me esqueci de praticar aquilo que aprendi nela. (...) Faça aos outros mais do que você faria por você mesmo. Pelo menos, é o que eu consegui tirar dela.” (Eli, falando a Solara)
Algo que mais me saltou aos olhos durante o filme inteiro é que, apesar de ter um bom conteúdo e recitar a “regra áurea”, eu nunca o usaria como meio de evangelização.

Quando compartilhei isso com algumas pessoas, retrucaram que é claro que não poderia esperar mais nada de Hollywood... A maior indústria de filmes do mundo não está nem um pouco interessada em divulgar a nossa crença tão contrária a muitas coisas que pregam nos seus filmes. É claro, concordo plenamente.

Mas não deixo de me sentir incomodada pela enganação em massa quando assisto a um filme assim e vejo que isso pode refletir no viver de muitos crentes, até no meu. Tenho certeza de que muitos, mesmo com a mais “pura” das intenções, tentam “evangelizar” da mesma forma que o filme fala sobre a Bíblia. Falam sobre as virtudes, sobre as bênçãos, sobre o estilo de vida e até sobre Deus. Falam sobre tudo e, no entanto, sobre nada, pois em nenhum momento mencionam o nome de Jesus. Às vezes temos medo de chocar ou espantar as pessoas ao citarmos o nome do nosso Salvador. Sentimos vergonha, medo de sermos ridicularizados ou simplesmente achamos que é mais fácil atrair as pessoas sem incluir nosso Salvador na história. A todos que fazem isso ou fizeram, inclusive eu mesma... devemos nos envergonhar!

Washington, ao ser questionado, numa entrevista sobre o filme, sobre o que aprendeu nas suas leituras bíblicas, falou o seguinte:

"Antes das refeições a gente sempre abençoa e agradece pela comida, fala uma prece e encerra com amém. ‘Deus é amor’. Eu achava que ‘Deus é amor’ era uma só palavra, por ser algo que você recita a toda hora, rapidamente, de maneira quase automática. Aos poucos, durante estes anos, fui aprendendo a recitá-las mais lentamente e percebi que são três palavras. Deus. É. Amor. Independente de qual a sua religião ou livro que esteja lendo, acho que esta é uma lição que ainda estamos aprendendo como pessoas, como raça. Não significa que meu Deus é amor, e o seu não. E aqui vou parafraseando de novo (risos): ‘Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você’. Essa é a mensagem fundamental de todas as religiões, mas, de alguma maneira, nós distorcemos isso."

No final do filme, e vou tentar não estragar por completo (me perdoem!), vemos que a Bíblia finalmente encontra seu lugar numa estante, bem ao lado do Corão e de outros livros religiosos, mandando a mensagem de que todas as religiões são iguais e se encaixam na mesma categoria.

O que nos diferencia das outras religiões, se todas pregam a mesma coisa? Pregam a bondade, a busca pela redenção, pregam o amor e até falam sobre Deus. Sim, talvez todas as religiões são iguais, mas posso afirmar com mais absoluta certeza que somos diferentes, queridos, porque a nós nos foi dado o evangelho. A palavra evangelho vem do grego euangelion, que significa boas novas (eu = boa, angelion = mensagem). A Bíblia nos traz uma mensagem impossivelmente fantástica, incrível e boa (me faltam palavras) para todos que nela crerem: Jesus morreu por nós e ressuscitou, nos garantiu perdão, e abriu o caminho para estarmos com Deus apesar de todos os nossos pecados. Aleluia! Jesus é a razão de tudo! Ele é a mais linda revelação da Glória de Deus e, sem Ele, não há razão para nos alegrarmos. Se Ele não existisse, ao lermos a Bíblia, nós deveríamos nos desesperar profundamente, pois somos merecedores da ira de Deus sem o perdão dado por Cristo. Li em algum lugar que “a Bíblia sem Jesus é uma carta morta” e que é como ensinar “matemática sem números, física sem massa, e biologia sem vida”. Toda mensagem da Bíblia aponta para Jesus e sem Ele, não há motivo para evangelização.

O diabo com certeza não se incomoda em ver um filme assim e duvido que ele se incomode quando tentamos falar da Palavra de Deus sem incluir Jesus. Ele sabe que Jesus é o único meio de salvação e que, quando Ele está ausente, não há esperança. Devemos nos envergonhar de nós mesmos.

Paulo diz: “...não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê...” (Romanos 1.16)

Deixemos de ser hipócritas e evangelizemos, no sentido mais absoluto da palavra. O mundo precisa da luz de Cristo e não temos o direito de escondê-la.

.:.:.:.

Talvez, há muitas outras coisas que poderiam ser ditas sobre o filme. Talvez você tenha em mente mais do que eu mencionei aqui, mas coloquei as três coisas que mais me saltaram aos olhos e mexerem com meu coração.

Mais uma vez, recomendo que assistam ao filme, mas com discernimento, assim como devemos assistir a todos os filmes. Muitas vezes, falhamos ao fazer isso e permitimos que as ideias contrárias à Palavra de Deus infiltrem na nossa mente e influenciem nosso pensar, andar e falar sem percebemos. Mas que Deus continue a nos abençoar com Sua misericórdia e sabedoria.

Um comentário:

Augustus Nicodemus Lopes disse...

Sou meio suspeito para falar, mas achei que sua análise crítica do filme, de um ponto de vista cristão, foi muito bem feita. Hollywood nao está interessada somente em ganhar dinheiro - que é o deus deste mundo - mas também em propagar a visão de mundo sem Deus, sem verdade, sem absolutos. Cada filme reflete as convicções, pressuposições e crenças de seus produtores e atores. Longe de ser mais um filme de ação e violência, O Livro de Eli passa uma mensagem, que o Cristianismo pode levar ao controle das massas, e pode ser usado como instrumento de manipulação, e até ser a causa de guerras religiosas. Não há dúvida de que no passado, remoto e presente, muitos fizeram isto, mas aí, já não era Cristianismo, e sim uma caricatura dele.

Fique firme e ancorada na Palavra de Deus, pela qual podemos ver claramente o que para muitos é apenas um entretenimento inocente.

Daddy